Do livro: MANUAL DE ESCATOLOGIA (j.
Dwight Pentecost):
Capítulo 3.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A
INTERPRETAÇÃO!
A história
da interpretação mostra-nos que a adoção do método correto de interpretação não
garante necessariamente conclusões corretas pelos usuários do método. O
rabinismo, que usava o método literal, produziu várias opiniões e
interpretações erradas pelo mau emprego desse método. Logo, é necessário
definir alguns princípios de interpretação, mesmo depois de estabelecer o
método correto, para que o método não seja mal-aplicado e não produza
conclusões infundadas.
I.
A Interpretação Das Palavras
Sabe-se sem
dúvida que as palavras formam um meio de transmitir o pensamento. Toda exegese
correta precisa, então, começar por uma interpretação das próprias palavras. Horne,
em sua preciosa obra Introduction to the critical study and knowledge of the
Holy Scriptures [introdução ao estudo critico e ao conhecimento das Sagradas Escrituras], fez um excelente resumo dos princípios
a ser empregados na interpretação das palavras.
1. Devemos verificar o usus loquendi, ou
a noção vinculada a uma palavra pelas pessoas em geral, pelas quais a língua é
falada agora ou o era antigamente, e sobretudo na relação especial a que essa
noção está vinculada.
2. O sentido aceito de
uma palavra deve ser conservado a não ser que razões fortes e necessárias
exijam que seja abandonado ou negligenciado.
3. Quando uma palavra tem
vários significados de uso comum, devemos selecionar o que melhor se encaixa na
passagem em questão, o qual seja coerente com o caráter, com os sentimentos e
com a situação conhecida do autor, de acordo também com as circunstâncias
conhecidas sob as quais ele escreveu.
4. Embora a força de
certas palavras só possa ser extraída da etimologia, não podemos atribuir, no
entanto, muita confiança a essa ciência freqüentemente incerta; isso porque o
significado de uma palavra muitas vezes é bem diferente de seu significado
comum.
5. Devemos examinar e
analisar cuidadosamente as diferenças entre palavras aparentemente sinônimas.
6. Os epítetos introduzidos pelos
escritores sagrados também devem ser avaliados e examinados cuidadosamente, já
que todos eles têm força declarativa ou explicativa, ou servem para distinguir
uma coisa da outra, ou unem essas duas
características.
7. Termos gerais às vezes
são usados em toda a sua extensão, e às vezes em sentido restrito, e ser
entendidos de uma maneira ou de outra depende da extensão, do assunto, do
contexto e das passagens paralelas.
8. Com relação a qualquer passagem
específica, o significado mais simples – ou o que se apresenta mais prontamente
a um leitor atento e inteligente, que possua conhecimento aceitável – é com
toda a probabilidade o sentido ou significado de fato.
9. Já que a
característica da interpretação é proporcionar na nossa própria língua o mesmo
discurso que os autores sagrados escreveram originalmente em hebraico ou em
grego, é evidente que nossa interpretação ou versão, para ser correta, não deve
afirmar nem negar mais que os escritores do original afirmaram ou negaram ao
escrever; conseqüentemente, devemos estar mais dispostos a extrair um
significado da Bíblia do que acrescentar-lhe sentido
10.
Antes de chegar a conclusões
sobre o sentido de um texto, para provar algo por meio dele, devemos ter
certeza de que tal sentido não contraria o raciocínio natural. (Thomas
Hartwell Horne, Introduction to the critical study and knowledge of the Holy
Scriptures, 1, 325-6).
Angus e
Green suplementam Home dizendo:
As palavras das Escrituras devem ser analisadas
pelo seu significado comum, a não ser que se demonstre que tal significado
contrarie outras palavras da frase, o argumento ou contexto ou outras partes das
Escrituras. Dos dois significados, o preferido é geralmente o mais evidente a
compreensão dos ouvintes ou leitores originários da passagem inspirada,
permitindo que as formas de pensamento prevaleçam na sua própria época, assim,
como as expressões figuradas, tão comuns, que não constituem exceção á regra.
O
verdadeiro significado de qualquer passagem das Escritures, então, não é cada
sentido que a palavra contém, nem cada sentido verdadeiro em si, mas o que é
proposto pelos escritores do original, ou mesmo pelo (Ruarh Ha’ kodesch) –
ESPÍRITO = O SANTO. [Grifo meu], apesar de entendido imperfeitamente pelos
próprios escritores.
As
palavras devem ser interpretadas, então, no sentido usual, natural e literal.
II.
A INTERPRETAÇÃO DO CONTEXTO
O segundo
grande tópico de nosso exame deve ser o contexto em que a passagem está
inserida. Há certas regras que guiarão a interpretação contextual. Horne as
resume assim:
1. [...] um exame
cuidadoso das partes anteriores e posteriores nos possibilitam apurar
significado, seja literal, seja figurado, que melhor se adapte à passagem em
questão.
2. O contexto de um
discurso ou livro das Escrituras pode compreender um versículo, alguns
versículos, períodos, seções, capítulos inteiros ou todo o livro.
3. Às vezes um livro das
Escrituras compreende apenas um assunto ou argumento, caso em que todo o livro
deve ser relacionado aos anteriores e aos posteriores e analisado conjuntamente
com eles.
[,,,]
Ao
examinar o contexto de uma passagem, será necessário:
1. Investigar cada
palavra de todas as passagens; e, à medida que a relação for formada pelas
partículas, estas devem sempre receber o significado que o assunto e o contexto
exigem.
2. Examinar a passagem
inteira com muita atenção.
3. Não vincular um
versículo ou passagem a um contexto remoto, a menos que concorde com ele de
forma mais próxima.
4. Procurar saber se o
escritor continua seu discurso, evitando a suposição de que ele passou para
outro argumento, quando, na verdade, esta dando seqüência ao mesmo assunto.
5. Os parênteses que
ocorrem nas Escrituras Sagradas devem ser analisados cuidadosamente, mas nenhum
parêntese deve ser interposto sem razão suficiente.
6. Nenhuma explicação
deve ser admitida, a não ser a que se encaixe no contexto.
7. Quando não se
encontrar nenhuma relação com a parte anterior ou posterior de um livro, tal
fato deve ser aceito.
(Joseph ANGUS & Samuel G. GREEN, The Bible
handbook, p. 180.).
(Horne , op. cit. , I, , 336ss.)
III.
A INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA
A terceira
consideração sobre a interpretação deve ser a interpretação histórica, em que o
contexto histórico imediato e sua influência são analisados cuidadosamente.
Berkhof nos dá uma excelente síntese de considerações nessa fase de
interpretação.
1) Afirmações Básicas da Interpretação
Histórica
(1) A Palavra de (‘Elohím YHVH – GRIFO
MEU), originada de modo histórico, só pode ser entendida à luz da história.
Isso não significa que tudo que ela contém possa ser explicado historicamente.
Como revelação sobrenatural de (‘Elohím – GRIFO MEU), é natural que contenha
elementos que transcendem os limites do
histórico. Mas significa que o conteúdo da Bíblia é em grande extensão
determinado historicamente e, portanto, na história encontra a sua explicação.
(2) Uma palavra nunca é
compreendida completamente até que se possa entendê-la como palavra viva, isto
é, originada da nefesch – grifo meu. (Alma) do autor. Isso implica a
necessidade da interpretação psicológica, que é, de fato, uma subdivisão da
interpretação histórica.
(3) É impossível entender
um autor e interpretar corretamente suas palavras sem que ele seja visto à luz
de suas circunstâncias históricas. É emeth – grifo meu (verdade) que o homem,
em certo sentido, controla as circunstâncias de sua vida e determina seu
caráter, mas é igualmente verdadeiro que ele é, em grande escala, o produto do
seu ambiente histórico. Por exemplo, ele é filho de seu povo, de sua terra e de
sua época.
(4) O lugar, o tempo, as circunstâncias e
as concepções prevalecentes do mundo e da vida em geral naturalmente emprestam
cores aos escritos produzidos sob essas condições de tempo, lugar e
circunstâncias. Isso se aplica também aos livros da Bíblia, particularmente aos
que são de caráter histórico. Em todas as linhas literárias não há livro que se
iguale à Bíblia no que ela diz sobre a vida em todos os seus aspectos.
(5) O Que Se Exige do Exegeta. Em vista
do que foi dito, a interpretação histórica exige do exegeta:
A. Que procure conhecer o
autor que deseja interpretar, seu parentesco, sem caráter e temperamento, suas
características morais, intelectuais e religiosas, bem como as circunstâncias
externas de sua vida.
B. Que reconstrua, tanto
quanto possível a partir dos dados históricos disponíveis e com o auxílio de
hipóteses, as circunstâncias em que esses escritos se originaram; em outras
palavras, deve conhecer o mundo do autor. Deve informar-se a respeito dos
aspectos físicos da terra em que os livros foram escritos, e considerar o
caráter e a história, os costumes, a moral e a religião do povo no meio do qual
foram escritos.
C. É de fundamental importância
que considere as várias influências que determinaram mais diretamente o caráter
dos escritos que se considera, tais como, os leitores originais, o propósito
que o autor tinha em mente, a idade do autor, seu tipo de mente, e as
circunstâncias especiais em que escreveu seu livro.
D. Além do mais, deve
transportar-se mentalmente ao primeiro século A.D., e às condições orientais.
Deve colocar-se na posição do autor, e procurar entrar em sua nefesch (grifo
meu) alma até que seja capaz de viver sua vida e pensar seus pensamentos. Isso
significa que ele deve guardar-se do erro de querer transferir o autor para os
dias presentes e fazê-lo a linguagem do século vinte... (Louis BERKHOF, Princípios de
interpretação bíblica, p. 120-1.). (Charles ELLIOTT & W.J. HARSHA, Biblical
hermeneutics, p, 73.). (Milton S. TERRY hermeneutics, p. 203-4.).
IV A
INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL
A
quarta consideração sobre a interpretação deve ser a interpretação gramatical
da língua em que a passagem foi originariamente escrita. Isso, é claro, não
pode ser feito sem o conhecimento das línguas originais. Elliott e Harsha, traduzido
Cellerier, declaram a regra básica:
O
interprete deve começar seu trabalho pelo estudo do sentido gramatical do
texto, com o auxílio da filologia sagrada. Como em todos os outros escritos, o
sentido gramatical deve ser o ponto de partida. O significado das palavras deve
ser apurado tendo em vista o uso lingüístico e a conexão.
Terry
acrescenta:
“Interpretação
gramatical e interpretação histórica, quando entendidas corretamente”, diz
Davidson, “são sinônimas. As leis especiais da gramática, segundo as quais os
escritores sagrados aplicaram a língua, resultaram de circunstâncias
específicas; somente a história nos leva de volta a essas circunstâncias. Não
foi criada uma nova linguagem para os autores das Escrituras; eles se adaptaram
à língua do país e da época. Suas composições não teriam sido inteligíveis de
outra maneira. Tomaram o usus loquendi como o encontraram, modificando-o,
naturalmente, pelas relações internas e externas em meio às quais pensavam e
trabalhavam”. O mesmo escritor também observa: “O sentido histórico-gramatical
é composto pela aplicação das considerações históricas e gramaticais. O grande
objetivo a ser verificado é o usus loquendi, usando a lei ou os princípios da
gramática universal que formam a base de toda língua (...) É o usus loquendi dos
autores inspirados que forma o objeto dos princípios gramaticais reconhecidos e
seguidos pelo expositor (...) chegamos a um conhecimento do usus loquendi
específico pela via da investigação histórica...”.
Terry
descreve bem a metodologia e a intenção do método histórico-gramatical. Ele
diz:
... podemos
citar o histórico-gramatical como o método mais recomendado ao julgamento e à
consciência dos estudiosos cristãos. Seu princípio fundamental é extrair das próprias Escrituras o significado
preciso que os escritores queriam transmitir. Ele aplica aos livros sagrados o
mesmo princípio, o mesmo processo gramatical e exercício de bom senso e de
raciocínio que aplicamos a outros livros. O exegeta histórico-gramatical,
munido de qualificações intelectuais, de instrução e morais adequadas, aceitará
as afirmações da Bíblia (eu diria: Das Escrituras – grifo meu) sem preconceito ou favoritismo adverso e, sem ambição de
provar que sejam verdadeiras ou falsas, investigará a linguagem e o significado
de cada livro com independência destemida. Ele aprenderá o
linguajar do escritor, o dialeto específico que ele usou, e seu estilo e modo
peculiar de expressão. Ele pesquisará as circunstâncias sob as quais o autor
escreveu, os modos e costumes de sua época e o propósito ou objetivo que ele
tinha em mente. O exegeta tem o direito de supor
que nenhum autor sensato seria propositadamente incoerente consigo mesmo, nem
buscaria surpreender ou enganar seus leitores. (Ibid., p. 173).
(ANGUS & GREEN, op. Cit., p. 215).
V. A
INTERPRETAÇÃO DA LINGUAGEM FIGURADA
Um grande
problema que o intérprete enfrenta é a interpretação da linguagem figurada.
Como as passagens proféticas frequentemente usam a linguagem figurada, essa
forma de comunicação deve ser estudada com cuidado.
A.
O uso da linguagem figurada. Sabe-se em geral que a linguagem figurada é usada
tanto para embelezar uma língua quanto para transmitir idéias abstratas por
meio de transferência.
É uma
necessidade do intelecto humano que fatos ligados à mente ou à verdade
espiritual se revistam de linguagem emprestada de coisas materiais. A. Palavras exclusivamente
espirituais ou abstratas, não podemos impor nenhuma concepção definida.
E (‘elohím –
grifo meu) se digna a atender a nossa necessidade.
Ele nos leva a um novo conhecimento por meio daquilo que
já nos é conhecido. Ele Se revela de forma já conhecidas.
B.
Quando a linguagem é literal ou figurada? O primeiro problema que o intérprete
enfrenta é saber se a linguagem é literal ou figurada. As implicações são expostas por
Horne: Então, para entender completamente a linguagem figurada das Escrituras,
é requisito, em primeiro lugar, procurar saber o que realmente é figurado, para
não considerar literal o que é figurado, o que faziam muitas vezes os
discípulos do nosso Senhor (YHVH – grifo meu) e os (Yahudim – grifo meu)
judeus, e para não perverter o significado literal com uma interpretação
figurada; e, em segundo lugar, quando apurarmos o que realmente é figurado,
interpretar isso corretamente e apresentar seu sentido verdadeiro. (HORNE,
op. cit., I, 356.). (Clinton LOCKHART, Principles of interpretation, p. 49.
(Ibid., p. 156). (Floyd HAMILTON, The basis of millennial faith, p. 53-4).
Uma
regra simples para distinguir o literal do figurado é dada por Lockhart, que
diz: Se o significado literal de alguma palavra ou expressão faz sentido em
suas associações, é literal, mas, se o significado literal não faz sentido, é
figurado.
Mais adiante
o mesmo autor acrescenta: Já que o literal é o significado mais comum de uma
palavra e ocorre, portanto, mais frequentemente que o figurado, qualquer termo
será considerado literal até que haja boa razão para uma compreensão diferente
(...). O significado literal e mais comum da palavra, se coerente, deve ser
preferido ao significado figurado ou menos comum.
Assim, o
intérprete procederá com base na pressuposição do que a palavra é literal e
menos que haja boa razão para concluir o contrário. Hamilton, que defende o uso
da interpretação alegórica na profecia, confirma a mesma conjectura.
-
Uma boa regra para seguir é aquela em que a interpretação literal da profecia
deve ser aceita, a não ser que a) as passagens contenham linguagem obviamente
figurada, ou b) o Novo Testamento autorize a interpretação em outro sentido
além do literal, ou c) uma interpretação literal contradiga verdades,
princípios ou afirmações reais contidas em livros não-simbólicos do Novo
Testamento. Outra regra clara é que as passagens mais claras do Novo Testamento
em livros não simbólicos são a norma para a interpretação profética, em lugar
de revelações obscuras e parciais contidas no Antigo Testamento. Em outras
palavras, devemos aceitar as partes claras e simples das Escrituras como base
para extrair o significado das mais difíceis.
Geralmente
será bastante inconfundível quando a linguagem for figurada. Fairbaim diz:
...
deve-se notar que, na grande maioria dos casos em que a linguagem é figurada,
esse fato aparece na própria natureza da linguagem ou da relação na qual ela se
encontra. Outro tipo de passagens em que a metáfora é também, em grande parte,
fácil de detectar é quando predomina a chamada sinédoque. (PATRICK
FAIRBAIRN, Hermeneutical manual, p. 138.). (Ibd.). (ELLIOTT & HARSHA, op. cit.,
p. 144-5).
O mesmo autor
continua anunciando princípios pelos quais podemos saber se uma passagem é
literal ou figurada. Ele diz:
O
primeiro deles é que a linguagem é figurada quando se diz algo que, considerado
ao pé da letra, muda a natureza essencial do assunto mencionado. Um segundo
princípio aplicável a tais casos é que, se a linguagem considerada literalmente
contiver algo incongruente ou meramente impróprio, o sentido figurado, e não o
literal deve ser o correto. Uma terceira direção pode ser acrescentada: quando
ainda temos razão para duvidar se a linguagem é literal ou figurada, devemos
procurar solucionar a dúvida consultando passagens paralelas (se houver) que
tratem do mesmo assunto em termos mais explícitos ou mais extensos. (PATRICK
FAIRBAIRN, Hermeneutical manual, p. 138.). (Ibid.). (ELLIOTT & HARSHA. Op.
cit., p. 144-5.).
Para
solucionar esse problema, Cellerier escreve:
Essa
investigação não pode ser alcançada com sucesso unicamente pela ciência
intelectual. Sensatez e boa fé, percepção crítica e imparcialidade também são
necessárias.
Algumas indicações gerais são tudo o que pode ser dado em relação a isso. A) A
priori. É grande a probabilidade de que a linguagem seja figurada
nas passagens poéticas ou nos provérbios e também nos discursos oratórios e
populares. Em geral essa probabilidade aumenta quando se supõe
justamente que o escritor tenha sido induzido pela situação, assunto ou
objetivo a fazer uso de tal linguagem. Há uma probabilidade do mesmo tipo, mas
muito mais forte, quando a passagem examinada é animada e parece fazer alusão a
objetos de outra natureza. B) A posteriori. Há uma probabilidade ainda maior
quando o sentido literal seria absurdo (...). Todas essas probabilidades, no
entanto, ainda são insuficientes. É necessário examinar a passagem com muito
cuidado, de modo crítico, exegético e fiel. O sentido figurado
deve ser apoiado por todos esses processos antes de poder ser tornado como a verdadeira
interpretação.
(Grifo
meu: Por isso, a Palavra da ‘ESCRITURA SAGRADA’, deve sempre se auto-interpretar
= falar!).
Todo o
problema de diferenciar a linguagem figurada da literal foi bem resumido por
Terry, que comenta:
Raramente
é necessário e, até mesmo, pouco praticável, estabelecer regras específicas
para saber quando a linguagem é usada de modo figurado ou literal. Um princípio
hermenêutico antigo e muito repetido é que as palavras devem ser entendidas no
seu sentido literal, a não ser que tal interpretação implique uma contradição
manifesta ou um absurdo. Devemos observar, no entanto,
que esse princípio, quando reduzido à prática, torna-se simplesmente recurso à
razão de cada homem. E o que para um parece absurdo e improvável pode ser para
outro muito simples e coerente (...). Deve haver
referência ao caráter e ao estilo geral do livro em causa, ao plano e ao
propósito do autor e ao contexto e à extensão da passagem em tese. Atenção
especial deve ser dada ao uso dos escritores sagrados, como determinado pela
comparação de todas as passagens paralelas. Os mesmos princípios gerais pelos
quais apuramos o sentido histórico-gramatical aplicam-se também à
interpretação da linguagem figurada, e jamais devemos
esquecer que os trechos figurados da Bíblia são tão certos e verdadeiros quanto
os capítulos mais comuns. Metáforas, alegorias, parábolas e simbologias são
formas divinamente escolhidas para expressar os oráculos de (‘elohím) – grifo
meu, e não devemos achar que seus significados sejam tão vagos e incertos que
não mereçam ser descobertos. Em geral, cremos que as partes
figuradas das Escrituras não são tão difíceis de entender quanto muitos
imaginam. Por meio de uma discriminação cuidadosa e judiciosa, o intérprete
deve procurar identificar o caráter e significado de cada figura específica e
explicá-la em harmonia com as leis comuns da linguagem e com os antecedentes, a
extensão e o plano do autor. (TERRY, op.
cit., p. 159-60.). (David L. COOPER, The God of Israel, p. iii.).
Cooper
formulou uma regra para sabermos quando interpretar literal ou figuradamente. Ele
diz:
Quando
o sentido normal das Escrituras faz sentido, não busque outro; assim, considere
cada palavra em seu significado primário, normal, comum e literal, a não ser
que os fatos do contexto imediato, estudado à luz de passagens relacionadas e
verdades estabelecidas e fundamentais, indiquem claramente o contrário.
Esse pode
muito bem tornar-se o axioma do intérprete.
C. A
interpretação da linguagem figurada. O segundo problema decorrente do uso da
linguagem figurada é o método a ser usado para interpretar o figurado.
Devemos
observar desde o princípio que o propósito da linguagem figurada é oferecer
alguma verdade literal, que pode ser transmitida pelo uso de metáforas mais
claramente que de qualquer outra maneira. O sentido literal é de maior importância que as
palavras literais. Chafer afirma isso:
O sentido
literal das palavras empregadas numa metáfora não deve ser entendido como o
significado da metáfora, mas sim como o sentido pretendido pelo uso da
metáfora. Em todas essas ocorrências há, então, apenas um significado. Em tais
casos o literal não é o sentido. Em relação a isso Cellerier diz: “A revelação (...) está carregada de formas populares
fortemente influenciadas por hábitos do Oriente, ou seja, de formas
metafóricas, poéticas e parabólicas que transmitem significado diferente do
sentido literal das palavras. Mas mesmo assim não há dois
significados, o literal e o metafórico. Apenas o metafórico é o significado
real; o literal não existe como significado, ele somente é o veículo do
anterior; não contém em si nenhum resultado, nenhuma verdade. Há, portanto,
apenas um significado verdadeiro (Ma. D’Hermen., p. 41). (Rollin, E CHAFER, the
science of biblical hermeneutics,p. 80-1.).
Horme
arrolou uma extensa lista de regras para apurar corretamente o significado
implícito de qualquer metáfora:
1.
O significado literal das palavras deve ser conservado, mais nos livros
históricos das Escrituras que nos poéticos.
2.
O significado literal das palavras deve ser desprezado, caso seja impróprio ou
implique uma impossibilidade, ou quando palavras, tomadas pelo sentido estrito,
contenham algo contrário aos preceitos doutrinários ou morais transmitidos em
outras partes das Escrituras.
3. Devemos
inquirir em que sentido a coisa comparada e aquilo a que ela é comparada
concordam respectivamente, e também em que sentido elas têm alguma afinidade ou
semelhança.
a)
O significado de uma passagem figurada será conhecido se a semelhança entre as
coisas ou os objetos comparados for tão clara que seja percebida imediatamente.
b) Já que,
nas metáforas sagradas, certa proposição geralmente é a principal coisa
exibida, o significado de uma metáfora será ilustrado pela análise do
conhecimento de uma passagem na qual ela ocorre.
c)
O significado de uma expressão figurada geralmente é conhecido com base em sua
explicação pelo próprio escritor sagrado.
d)
O significado de uma expressão figurada pode ser apurado pela consulta de
passagens paralelas, nas quais a mesma coisa é expressa de forma correta e
literal, ou na qual a mesma palavra ocorre, e assim o significado pode ser
prontamente extraído.
e)
Analisar a história.
f)
Analisar a conexão da doutrina, assim como o contexto da passagem figurada.
g)
Ao especificar o significado transmitido por uma metáfora, a comparação jamais
pode ser estendida em demasia, ou a qualquer coisa que não possa ser aplicada
corretamente à pessoa ou à coisa representada.
h)
Na interpretação das expressões figuradas em geral, e naquelas que ocorrem
particularmente nos trechos morais das Escrituras, o significado de tais
expressões deve ser regulado por aquelas que são simples e claras.
4.
Por último, ao explicar a linguagem figurada das Escrituras, é preciso ter
cuidado para não usar a aplicação de códigos modernos, pois os habitantes do
Oriente muitas vezes associam a ideias certos atributos expressos de maneira
totalmente diversa da que normalmente ocorre a nossa mente. (HORNE, op., cit., i, 356-8).
Observamos
com base nessas regras que os mesmos princípios fundamentais aplicados a
qualquer outra linguagem se aplicam também à interpretação da linguagem
figurada. O uso da linguagem figurada não exige interpretação não-literal. A
mesma sã exegese exigida em outros lugares se faz mister nessa área.
(Do livro:
MANUAL DE ESCATOLOGIA. “UMA ANÁLISE DETALHADA DOS EVENTOS FUTUROS”. EDITORA:
VIDA. PÁGINAS: 62 – HÁ – 72.).
OS
DESAFIOS DE UMA TRADUÇÃO DA BÍBLIA:
BÍBLIA DE ESTUDO NVI (ISBN: 978-85-7367762-1). EDITORA: VIDA.
BÍBLIA HEBRAICA PESHITA (TORAH) EDIÇÃO 2011. (ISBN: 383.265 LIVRO 711
FOLHAS: 425).
VAMOS
COMEÇAR PELA PESHITA: PÁGINAS: 35-36:
Tradução de Almeida:
Coube ao Padre João Ferreira de Almeida a grandiosa tarefa de traduzir
pela primeira vez para o português o Antigo e o Novo Testamento, Nascido em 1628
em Torre de Tavares, nas proximidades de Lisboa, João Ferreira de Almeida,
quando tinha doze anos de idade, mudou-se para o sudeste da Ásia. Após viver
dois anos na Batávia (atual Jacarta), na ilha de Java, Indonésia, Almeida
partiu para Málaca, na Malásia, e lá, através da leitura de um folheto em
espanhol acerca das diferenças da cristandade, converteu-se do
catolicismo à fé evangélica. No ano seguinte começou a pregar o evangelho no
Ceilão e em muitos pontos da costa de Malabar.
Não tinha ele ainda dezessete anos de idade quando
iniciou o trabalho de tradução da Bíblia para o português, mas lamentavelmente
ele perdeu o seu manuscrito e teve de reiniciar a tradução em 1648.
Por conhecer o hebraico e grego, Almeida pôde utilizar-se dos
manuscritos dessas línguas, calcando sua tradução no chamado “Textus Receptus” do grupo bizantino. Durante esse exaustivo e criterioso trabalho, ele também se serviu das
traduções holandesa, francesa (tradução de Beza), italiana, espanhola e latina
(Vulgata).
Em 1676, João Ferreira de Almeida concluiu a tradução do Novo Testamento, e naquele mesmo
ano remeteu o manuscrito para ser impresso na Batávia; todavia, o lento
trabalho de revisão a que a tradução foi submetida levou Almeida a retoma-la e
envia-la para ser impressa em Amsterdã, Holanda. Finalmente, em 1681
surgiu o primeiro Novo Testamento em português, trazendo no
frontispício os seguintes dizeres, que transcrevemos ipsis litteris: “O Novo
Testamento, isto he, Todos os Sacro Sanctos Livros e Escritos Evangélicos e
Apostólicos do Novo concerto de Nosso Fiel Salvador
e Redentor Iesu
Cristo, agora traduzido em português por
Padre João Ferreira de Almeida, ministro pregador do Sancto Evangelho. Com
todas as licenças necessárias. Em Amsterdam, por Víuva de J.V. Someren. Anno
1681.
Milhares de erros foram detectados nesse Novo
Testamento de Almeida, muitos deles produzidos pela comissão de eruditos que
tentou harmonizar o texto português com a tradução holandesa de 1637. O próprio Almeida identificou mais de 2000 (dois mil) erros nessa
tradução, e outro revisor, Ribeiro dos Santos
afirmou ter encontrado um número muito maior.
Logo após a publicação do Novo Testamento, Almeida
iniciou a tradução do antigo, e ao falecer, em 6 de agosto de 1691, ele havia
traduzido até Ezequiel 41,21. Em 1748, o pastor
Jacobus op den Akker, de Batávia, reiniciou o trabalho interrompido por
Almeida, e cinco anos depois, em 1753, foi impressa a primeira Bíblia completa
em português, em dois volumes. Estava, portanto
concluído o inestimável trabalho de tradução da Bíblia por João Ferreira de
Almeida.
Apesar dos erros iniciais, ao longo dos anos eruditos evangélicos têm
depurado a obra de Almeida, tornado-a a preferida dos leitores de fala
portuguesa.
A Bíblia de Rahmeyer.
Tradução completa da Bíblia, ainda hoje inédita, traduzida em meados do
século XVIII pelo comerciante hamburguês Pedro Rahmeyer, que residiu em Lisboa
durante 30 anos. O manuscrito dessa Bíblia se encontra na Biblioteca do
Senado de Hamburgo, Alemanha.
Tradução de Figueiredo:
Nascido em 1725, em Tomar, nas proximidades de Lisboa, o padre Antônio
Pereira de Figueiredo, partindo da Vulgata Latina, traduziu
integralmente o Novo Testamento, gastando dezoito
anos nessa laboriosa tarefa. A
primeira edição do Novo Testamento saiu em 1778, em seis volumes.Quanto ao Antigo,
os dezessete volumes de sua primeira edição foram publicados de 1783 a 1790. Em
1819 veio à luz da Bíblia completa de Figueiredo, em sete volumes, e em 1821 ela foi publicada pela primeira vez em um volume único.
Figueiredo incluiu em sua tradução os chamados
livros apócrifos que o Conselho de Trento havia acrescentado aos livros
canônicos em 8 de abril de 1546. Esse fato tem
contribuído para que sua Bíblia seja ainda hoje apreciada pelos católicos
romanos nos países de fala portuguesa.
Na condição de exímio filólogo e latinista, Figueiredo pôde utilizar-se
de um estilo sublime e grandiloquente, e seu trabalho resultou em um verdadeiro
monumento da prosa portuguesa. Porém,
por não conhecer as línguas originais e ter-se baseado tão-somente na Vulgata,
sua tradução tem suplantado em preferência popular o texto de Almeida.
Ok!
Agora, vamos passar ao estudo da NVI:
A maioria das pessoas, cristãs ou não, tem pouco conhecimento das
dificuldades presentes na tradução da Bíblia. Quem lê a Palavra de Deus bem
impressa, bonita e com uma capa bem acabada não tem ideia de tudo que é
necessário para tornar disponível o livro mais lido e vendido do mundo.
Antes de tratarmos dessas dificuldades, devemos destacar que a tarefa de
tradução da Bíblia é um ministério cristão. Lamentavelmente,
poucos são os cristãos que percebem tal realidade de imediato. A grande verdade é que não é possível desenvolver quase nenhum outro
ministério cristão sem as Escrituras Sagradas traduzidas na língua do povo. Não seria possível pregar, evangelizar,
ensinar, discipular, e assim por diante, sem a Palavra de Deus em nossa língua. Por essa
razão, devemos dar graças a Deus pela vida de homens como Jerônimo, Ulfilas, Lutero, Wycliffe, Almeida e muitos outros tradutores
da Bíblia. Homens como esses
dedicaram a vida para tornar compreensíveis as Escrituras a milhões de cristãos
e não-cristãos incapazes de entender as línguas originais.
Além disso, precisamos ressaltar que a tarefa de traduzir a Bíblia não é
nada fácil. Muitos são os
problemas e dificuldades enfrentados pelos tradutores. Com toda a certeza, para muitas pessoas essa tarefa
parece até muito simples. Tal opinião, porém, está longe da verdade! Acreditam alguns que cada palavra do hebraico ou do grego encontra um
vocábulo equivalente em português (e nos demais idiomas). Portanto, bastaria trocar as palavras da língua original pelos vocábulos
em português para vermos encerrada a tarefa de tradução da Bíblia. Quem sabe,
pensam alguns, um bom programa de computador até possa fazer isso. Infelizmente, isso não é verdade; o
fato é que a tarefa de tradução é muito complexa. Nas linhas a
seguir, procuraremos apresentar ao nosso prezado leitor os principais problemas
e dificuldades enfrentados por um tradutor das Escrituras Sagradas.
A
dificuldade com os manuscritos antigos
Ao contrário do que muitos imaginam, não existe um
manuscrito bíblico único do qual se possa traduzir o texto das Escrituras. Deus, em sua soberania, não quis deixar-nos o manuscrito original do
Antigo e do Novo Testamento. Na
verdade, o que temos à disposição são milhares de manuscritos posteriores,
cópias feitas por escribas no decorrer dos séculos. Apesar disso, estamos absolutamente seguros de que a Bíblia é o
documento antigo mais bem preservado da história da humanidade. Não há dúvida alguma de que possuímos manuscritos extremamente próximos
dos originais. Todavia,
um grande número de pequenas diferenças entre os diversos manuscritos exige
avaliação cuidadosa por parte dos estudiosos para que se obtenha um texto mais
próximo do original. Quando isso acontece, é necessário
buscar a ajuda da crítica textual, ciência que desenvolveu critérios objetivos
e científicos de avaliação do texto bíblico. Com base nos resultados desses
estudos criteriosos, é possível optar corretamente por uma variante textual. Portanto, todo tradutor da Bíblia tem com primeiro
problema avaliar as variantes textuais dos manuscritos bíblicos e tomar
decisões com base nessa avaliação. Somente após esse primeiro passo será
possível fazer uma tradução fiel ao texto original.
No caso do Antigo Testamento, escrito quase inteiramente em língua
hebraica, os principais manuscritos que precisam ser avaliados para uma boa
tradução bíblica são o Texto masorético, o Pentateuco samaritano, a Septuaginta
(famosa versão grega do texto do Antigo Testamento), a Versão siríaca, os Targuns aramaicos e os famosos manuscritos do mar
Morto. Já
no caso do Novo Testamento, há centenas de papiros antigos, alguns códices
(cópias completas) e milhares de manuscritos mais recentes. O resultado do trabalho da crítica textual mais confiável e respeitado
pelo mundo acadêmico encontra-se nas edições da Bíblia hebraica stuttgartensia (Antigo Testamento
e no Novum Testamentum graece (organizado por E. Nestlé e K. Aland).
A
dificuldade da compreensão do texto
Os autores do texto bíblico e os escribas que fizeram as milhares de
cópias dos manuscritos bíblicos antigos viviam num mundo muito diferente do
nosso. Falavam línguas (hebraico, aramaico e o grego) que ainda
procuramos compreender, pertenciam a uma cultura muito
diferente da nossa e não redigiam textos conforme a nossa atual expectativa. Por essa razão, nem todos os textos bíblicos são tão fáceis de ser
entendidos, nem mesmo pelos peritos e especialistas nas línguas originais. Às vezes a construção da frase não segue a lógica
gramatical comum da língua; em outras ocasiões ficamos em dúvida sobre onde
dividir a frase (a pontuação do texto grego do Novo Testamento, por exemplo,
não faz parte do original); em certas passagens bíblicas há palavras difíceis
de ser compreendidas, pois o significado primeiro delas não cabe no contexto. Isso quer dizer que, mesmo depois de estabelecido o texto pelos
especialistas, isto é, com todos os problemas de crítica textual resolvidos,
nem sempre todos os textos bíblicos serão decifrados e entendidos com
facilidade. É por isso que o leitor comum
muitas vezes já constatou que alguns textos bíblicos encontram traduções
diversas em diferentes versões bíblicas. Embora nem todos saibam, a verdade é que vários textos bíblicos admitem
mais de uma tradução correta e, em muitos casos, alguns deles exigem atenção
especial e um trabalho cuidadoso para serem de fato compreendidos.
A
dificuldade do significado das palavras
Ha uma ciência dedicada ao estudo do significado das palavras. Essa
ciência é chamadasemântica. As
principais fontes de pesquisa semântica são os dicionários e os léxicos
acadêmicos aos quais recorremos quando queremos
saber o significado de um termo. Isso não é tão difícil quando
estamos pesquisando o significado de termos falados atualmente na língua
portuguesa. No
entanto, quando queremos descobrir o significado das palavras hebraicas,
aramaicas e gregas, a tarefa é muito mais árdua. O significado exato de muitas
palavras, principalmente hebraicas, ainda é um desafio para os estudiosos.
Talvez a ideia mais comum seja que a etimologia e a melhor forma de
descobrir o significado das palavras. Muita gente acredita que o significado de
uma palavra está na sua raiz, na sua ideia original. Em muitos casos isso é
verdade. Na palavra cefaloide, por exemplo, é fácil estender o significado com
base na etimologia. A primeira parte da palavra, cefal-, vem do grego kephalê,
que significa “cabeça”; já o sufixo –óide expressa a ideia de forma. Assim,
cefaloide significa o que tem forma de cabeça. Nesse caso, a etimologia da
palavra permite-nos saber com exatidão o seu significado. Nem sempre, porém, tais associações etimológicas evidenciam o
significado de determinado termo. Há casos como o da
palavra hipopótamo, na qual os radicais gregos significam literal e
etimologicamente “cavalo” (hipos) e “rio” (potamos). No entanto, ninguém jamais concordará que “cavalo
do rio” traduz com exatidão o significado de hipopótamo. Finalmente,
descobriremos também palavras cuja etimologia até destoa no significado mais
comum delas. É o caso da palavra embarque. Na origem, o termo era usado em
referência ao ato de entrar em um barco. Todavia, hoje o
termo é usado em referência ao embarque em um avião, ao embarque em um trem (ou
no metrô).
Diante desses exemplos, deve ficar claro que identificar o significado
de uma palavra requer mais do que descobrir sua origem ou sua etimologia. Na
verdade, cumpre levar em consideração a importância de outros fatores
fundamentais, como veremos adiante.
O
fator sociológico
O uso de uma palavra é determinado pelos falantes de uma língua. Na
verdade, as palavras não têm nenhuma relação intrínseca com os objetos da
realidade. Funcionam como etiquetas que nós, os falantes da língua, colocamos
nos objetos à nossa volta para podermos nos referir a eles. Assim, cada língua cria as próprias palavras de modo arbitrário. Além disso, essas
palavras são muitas vezes criadas, independentemente da origem etimológica. Por essa Razão, para que se entenda o significado
de um termo, é muito importante descobrir em que sentido está sendo usado
dentro de um texto, pois muitas vezes a
origem ou a raiz não serão úteis na identificação do significado. O vocábulo grego logos, por exemplo, significava principalmente palavra quando traduzia um
conceito semítico do mundo hebreu, mas para os gregos a ideia básica era a de razão. O tradutor do Novo Testamento terá
de descobrir em que sentido o autor bíblico (Jo
1,1) estava usando a
palavra logos. Graças ao
trabalho de exegetas e linguistas, hoje temos léxicos (dicionários) que trazem
uma avaliação semântica ampla e detalhada de cada termo hebraico, aramaico e
grego. Um léxico
especializado é uma das ferramentas indispensáveis para a compreensão e para a
tradução dos termos bíblicos.
O
fator histórico
O aspecto sociológico da semântica leva-nos
diretamente ao aspecto histórico. O uso das palavras bem como o seu significado
sofrem variações de acordo com a época em que o texto Fo escrito. No caso dos estudos veterotestamentários, os especialistas fazem
distinção entre as diversas fases da língua hebraica: o hebraico arcaico, o pré-exílico e o pós-exílico. A verdade é que há diferença de
vários séculos entre um texto e outro. Diante
desse fato, não há dúvida de que a mesma palavra pode ter significados
diferentes em épocas distintas.
No caso do Novo Testamento, apesar de todo o texto ter sido escrito em
grego, sabemos hoje que não era o grego clássico (dialeto ático). Não é
possível compreender o significado dos termos gregos do Novo Testamento
conhecendo apenas a cultura e a língua helênica clássica. Além de ser um grego
comum (coiné), o grego
neotestamentário é também um grego semitizado, ou seja, muito influenciado pela cultura judaica e pelo
pensamento hebraico. Somente com o conhecimento da história da cultura e das línguas
bíblicas poderemos conhecer o significado das palavras da Bíblia. Isso nos
ajudará a não conferir a esses termos um significado não pretendido pelo autor
original
O
fator literário
Um estudo aprofundado das Escrituras comprovará que não podemos
considerar o texto bíblico homogêneo do ponto de vista literário. Cada autor usa
certos termos de maneira característica. Nem
sempre a mesma palavra é usada no mesmo sentido por todos os autores. Cada autor bíblico escreve com tendências
teológicas específicas, a um público determinado, dentro de um panorama
histórico particular. Uma avaliação da terminologia usada por Lucas, por João e porPaulo mostra que cada um deles detém particularidades linguísticas e
teológicas que precisam ser consideradas numa tradução bíblica. Além disso, é preciso frisar que os diversos autores bíblicos escreveram
em estilos literários distintos. A
poesia hebraica, por exemplo, não se caracteriza por rima, mas sim por
paralelismos. Há construções poéticas como inversões, quiasmos, acrósticos
alfabéticos, aliterações etc., que dificilmente podem ser de todo recuperadas
numa tradução. Além disso, temos o problema das expressões idiomáticas e das
figuras de linguagem. Metáforas, símiles, sinédoques, metonímias são usadas
amplamente na Bíblia. Algumas dessas figuras, se traduzidas ao pé da letra,
podem não comunicar nada ou até expressar uma ideia errada. Pretendemos desenvolver essa questão com maiores detalhes mais adiante.
Todavia, vale a pena citar aqui alguns exemplos.
Em Gênesis 34,30 o hebraico diz:
E disse Jacó a Simeão e a Levi: Vocês me trouxeram problemas, ao
fazer-me cheirar mal entre os moradores da terra.
Cheirar mal é uma expressão que significa odiar. O sentido aqui é atrair
o ódio dos moradores da terra (região).
Em Salmos 41,9 o hebraico diz:
Até o meu melhor amigo (homem da minha paz), em quem eu confiava e que
partilhava do meu pão, levantou contra mim o seu calcanhar.
O significado de levantar o calcanhar contra é voltar-se contra.
A
dificuldade decorrente da peculiaridade das línguas bíblicas
Quando alguém tentar traduzir um livro do francês ou do inglês para o
português encontrará uma tarefa não muito difícil. As três línguas são
indo-européias, sendo muito semelhantes em estrutura e em vocabulário. Até
mesmo no inglês, pertencente ao ramo das línguas germânicas, cerca de metade do
vocabulário é formado por
palavras de origem latina. Quando alguém lê uma obra acadêmica em inglês,
por exemplo, descobrirá que essa proporção é ainda maior, pois os termos gregos
e latinos são a base do vocabulário científico e acadêmico de muitas línguas
européias , mesmo de muitas que não são classificadas como neolatinas. Todavia, quando se faz uma tradução do grego
bíblico e do hebraico (ou do aramaico) para o português, a tarefa é muito mais
difícil, pois a diferença cultural e linguística é muito grande.
O início das dificuldades reside no vocabulário das
línguas bíblicas. Os vocábulos muitas vezes não têm correspondentes
satisfatórios em português. O campo semântico das palavras é muito particular e
até mesmo estranho para nós.
Especialmente no caso do hebraico, as palavras dessa língua semítica
expressam conceitos bem concretos. Ideias abstratas são muito raras. A expressão “fazer uma aliança”, por exemplo, é literalmente em hebraico
“cortar uma aliança”. Por essa razão é
impossível fazer uma tradução totalmente literal da Bíblia. Muitas frases não teriam sentido em português. Uma das palavras muito importantes do Antigo Testamento, por exemplo, é
o termo Sheol, traduzido por Hades no grego do Novo Testamento. Em
algumas versões antigas essa palavra foi traduzida por “inferno” em quase todos
os versículos em que o termo aparece. Sem dúvida alguma a
tradução uniforme do termo não é recomendável. O termo refere-se de fato ao “mundo dos mortos” e, em muitos contextos, refere-se de
modo concreto à “sepultura”. Assim Sheol (e Hades) pode ser traduzido,
dependendo do contexto, por várias palavras diferentes. As possibilidades de tradução são:“profundezas”, “morte”,
“sepultura”, “mundo dos mortos” e “inferno”.
No caso do hebraico, uma característica interessante da língua é a sua
concisão. A
antiga língua dos hebreus usava poucas palavras para dizer muito. Os verbos de ligação são dispensados, os pronomes
pessoais estão embutidos na maioria das formas verbais, e algumas preposições e
sufixos de posse aparecem anexados aos substantivos. Um exemplo disso pode ser visto emSalmos 15,2. O texto hebraico diz literalmente (sete palavras):
Andante integramente e praticante (da) justiça e falante (da) verdade no
seu coração.
Como se vê, é muito difícil entender o sentido do texto, traduzido aqui bem
literalmente.Depois de traduzido adequadamente (19 palavras em português), o
texto fica assim:
Aquele que é integro em sua conduta e pratica o que
é justo, que de coração fala a verdade...
Outra questão que merece cuidado é o verbo grego e
hebraico. Estamos muito acostumados à ideia de tempo verbal em português. Para muitos é surpreendente descobrir que o que
caracteriza o verbo no grego e no hebraico não é principalmente o tempo do
verbo, mas sim o seu aspecto. Em hebraico, por
exemplo, importa mais se a ação é acabada ou não do que o tempo do verbo.Em muitas passagens
bíblicas somente o contexto determinará se o verbo será traduzido no futuro, no
presente ou no passado. O grego conhece formas verbais peculiares e muitas
vezes difíceis de ser traduzidas adequadamente. Entre elas
destacam-se o aoristo, o modo optativo e a voz média do verbo.
Finalmente, precisamos destacar a grande diferença
entre a estrutura sintática das línguas bíblicas e a do português. A ordem comum da frase hebraica, por exemplo, é inversa: começa com o
verbo e depois traz o sujeito. As conjunções que
intermediam palavras e orações detêm funções sintáticas muito diversificadas e
podem ser traduzidas de maneiras distintas. Os
tradutores terão de descobrir se determina conjunção está sendo usada de modo
enfático, explicativo, condicional, recitativo etc. Essa tarefa muitas vezes exige estudo minucioso. O texto grego, por exemplo, usa períodos longos,
sem ponto-final. Um caso famoso é o do texto de
Efésios 1,3-14.Não é possível conservar a
legibilidade de um texto assim em português contemporâneo sem reorganizar a
pontuação. Dado o caráter
introdutório desse livro, não nos estenderemos mais sobre o assunto. Somente um
estudo da sintaxe hebraica e grega poderá revelar a complexidade dessas
diferenças ao amigo leitor.
Conclusão
Diante dessa avaliação, cremos que o nosso leitor já tem uma ideia
razoável da complexidade da tarefa de traduzir a Bíblia. Estamos certos de que
essa breve introdução o ajudará a entender o valor e a importância da tradução
da Bíblia. Portanto, cada um de nós deve:
1. Agradecer a ‘elohîm (grifo meu) pelo fato de termos sua Palavra
disponível em português.
2. Valorizar esse importante ministério e orar pelos milhares de
tradutores que trabalham em todo o mundo nessa obra tão importante.
3. Ser mais flexíveis
e humildes, entendendo que a dificuldade dessa tarefa comprova que toda
tradução é imperfeita.
4. Descobrir que as
dificuldades bíblicas não devem abalar nossa emunah (fé) grifo meu; ao
contrário, descobrimos que ‘elohîm (grifo meu) é sábio e maior do que nós. A
Palavra de ‘elohîm (grifo meu) é mais profunda e rica do que imaginamos.
LUIZ SAYÃO
Linguista, mestre em hebraico (USP), editor
acadêmico de Edições Vida Nova e coordenador da tradução da NVI.
Vamos ver esse
exemplo na língua original:
ΚΑΤΑ ΜΑΡΚΟΝ
9
Vamos ver a tradução dessa passagem pela Bíblia (Novo Testamento
Interlinear) [Grego português]: Editora – SBB:
Marcos:
9
24: Logo gritando o pai do menino dizia:
Creio; ajuda minha falta de fé.
Estudo feito por:
Pesquisa efetuada por: ANSELMO ESTEVAN.
Formação:
Curso bíblico “igreja Adventista do Sétimo Dia”. Friburgo. 22 de Janeiro de
2.004. Duração de 5 meses.
Formação:
(Pela Faculdade Ibetel –
centro de Suzano): “Curso Básico em Teologia”.
[Aproximadamente 2 anos]. Término do curso em 07 de Agosto de 2.007.
Formação:
(Pela Faculdade Ibetel –
centro de Suzano): “Curso Bacharel em Teologia”. [Aproximadamente
3 anos]. Término do curso em 08 de Julho de 2.010.
FILIADO À: OTPB – Ordem de Teólogos e Pastores do
Brasil.
Registro nº436.07.08/2013. (Pr. Flávio Nunes.
Souza).
[1] Novo Testamento Grego: Westcott-Hort (1881). Sociedade Bíblica
do Brasil, 1881; 2007, S. Mc 9:24
Nenhum comentário:
Postar um comentário